os personagens não nascem de um corpo materno, como os seres vivos, mas de uma situação, de uma frase, uma metáfora que contém em embrião uma possibilidade humana fundamental que o autor imagina não ter sido ainda descoberta, ou sobre a qual nada ainda doi dito.
mas não se diz sempre que o autor só pode falar de si mesmo?
olhar o pátio com angústia e não conseguir tomar um decisão; ouvir um ruído obstinado de seu próprio ventre num momento de exaltação amorosa; trair e não poder parar na estrada tão bela das traições; levantar o punho no desfile da Grande Marcha; exibir seu humor diante dos gravadores escondidos pela polícia: eu próprio conheci e vivi todas essas situações; de nenhuma delas, no entanto, saiu a personagem que sou, eu mesmo, no meu curriculum vitae. as personagens de meu romance são minhas próprias possibilidades que não forma realizadas. é o que me faz amá-las todas e temê-las ao mesmo tempo. umas e outras atravessaram a fronteira que apenas me limitei a contornar. o que me atrai á essa fronteira que elas ultrapassam (fronteira para além da qual termina meu eu). do outro lado começa o mistério que meu romance interroga. o romance não é uma confissão do autor, mas uma exploração do que é a vida humana na armadilha em que se transformou o mundo.
Milan Kundera em 'A insustentável leveza do ser'
sexta-feira, 23 de janeiro de 2009
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