quarta-feira, 11 de março de 2009

As gotas do chuveiro caiam na sua cabeça de três em três segundos, talvez pela torneira não ter sido fechada direito, mas seria mais provável que fosse mais uma coisa que não funcionasse na cinqüentenária casa no centro da cidade. Os dois filhos não se faziam presentes nela, notadamente pelo vazio sonoro que nela assombrava até as madeiras podres, de acordo com o cotidiano escolar que os mantinham ocupados durante toda a tarde, cinco dias na semana, cinco horas por dia. seu marido já não incomodava o silencio da sala vazia há mais ou menos seis anos, e só se podia ouvir o gotejar calmo e maçante no couro cabeludo da mulher de meia idade que se confundia com a cor pastel desbotada da decoração ridícula do banheiro. era fácil confundir aquele corpo estático com um cadáver recém suicidado e essa imagem trazia a qualquer pessoa que a visse um sentimento de aceitação e compadecimento. Ficava ali, quieta, piscando muito pouco, com o corpo frio mesmo sem sua pele arrepiar, a olhar para o canto que o boxe de plástico rosa fazia com a parede por pastel, escondendo uma sujeira verde-escura de limo antigo. A confusão com o cadáver suicida poderia não ser uma confusão, tirando o motivo da falta de motivo para tal. Ele não existia como também não existia força de espírito para dar-se um tiro nas têmporas ou muito menos fazer-se sangrar pelas veias dos punhos languidos e frios. É preciso muita coragem. Não tinha motivo, não tinha força e tinha seus filhos, uma das únicas razões de não se matar, e uma das fortes razoes para não querer viver. Não por eles, mas por ela mesma, que quando adolescente quis ter uma menina de nome Sofia e criá-la do jeito que fosse, com o dinheiro que tivesse, ao lado de seu namorado que acreditava ter o mesmo sonho que o seu. Naquela hora já poderia ver tudo o que se passara desde a concepção. Ninguém nunca reclamara da falta que a falta de dinheiro causava naquela casa, e não era pouca, mas o sentimento que o ar pesado podia levar até para dentro dos pulmões era a de apatia, de complacência e de submissão a algo que não podia se entender.
Não chorava, não tinha nenhum arrependimento latente, não sentia dor, não sentia nada. Apenas se debatia na sua apatia cor de pastel.

3 comentários:

Lívia Barbosa disse...

Maravilhoso!
Eis q seu gênero surge!

CèS disse...

Não sei se alguém esquece que está vivo

Gabriel Barbosa (@umgabriel) disse...

sem maiores reflexões: eu acho que pode esquecer.