Inventei de inventar um blog pra colocar trabalhos da Academia. A tentativa é de achar coisas novas de amigos e mostrar o que é feito por graduandos dentro da faculdade. Enfim, tentando ao máximo escapar do pedantismo e do diletantismo, quem puder e quiser contribuir pro surgimento de coisas novas e criativas, e tenha idéias de como fazer com que essas coisas sejam espalhadas por aí, gritem pra mim! Aí vai o endereço: www.batatasbaroas.blogspot.com
Gradicido!
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
Os sedutores II
“Quando os amigos lhe perguntavam quantas mulheres tivera, ele dava uma resposta evasiva e, se insistiam, respondia: “umas duzentas”. Alguns invejosos afirmavam que exagerava. Defendia-se: “Nem tanto! Minhas relações com as mulheres começaram há mais ou menos vinte e cinco anos. Dividindo duzentos por vinte e cinco, dá mais ou menos oito mulheres por ano. Não é tanto assim”.
Mas, desde que vivia com Tereza, sua atividade erótica tropeçava em dificuldades de organização: não podia dedicar-lhe (entre sala de operações e sua casa) senão uma pequena faixa de tempo que decerto explorava intensamente (como um agricultor aproveita ao máximo sua faixa de terra), mas não podia se comparar às desesseis horas que súbito recebera de presente. (Digo dezesseis, pois, mesmo as oito horas em que lavava vidraças ofereciam mil oportunidades para marcar encontros com novas vendedoras, funcionárias ou donas-de-casa.)
O que procurava em todas essas mulheres? Por que elas o atraíam? Não seria o amor físico a eterna repetição do mesmo ato?
De forma nenhuma. Há sempre uma porcentagem de inesperado. Ao ver uma mulher vestida, podia de fato imaginar mais ou menos como seria ela nua ( isso sua experiência de médico completava a experiência de amante), mas entre a aproximação da idéia e a precisão da realidade subsistia um pequeno intervalo de inimaginável, e era essa lacuna que não o deixava em paz. Além disso, a busca do inimaginável não termina com a descoberta da nudez, vai além dela: que cara faria ela ao retirar a roupa? O que diria quando fizesse amor? Como soariam seus suspiros? Que rictos se estampariam em seu rosto na hora do orgasmo?
Aquilo que o “eu” tem de único se esconde exatamente naquilo que o ser humano tem de inimaginável. Só podemos imaginar aquilo que é idêntico em todos os seres humanos, aquilo que lhes é comum. O “eu” individual é aquilo que se distingue do geral, portanto aquilo que precisa ser desvelado, descoberto e conquistado junto ao outro.
Tomas, que durante os últimos dez anos de sua atividade médica vinha ocupando exclusivamente do cérebro humano, sabia que não havia nada mais difícil do que identificar o “eu”. Entre Hitler e Einstein, entre Brejnev e Soljenitsin, há muito mais semelhanças do que diferenças. Se quiséssemos expressar essa idéia em números, poderíamos dizer que existe entre eles um milionésimo de diferença e novecentos e noventa e nove mil novecentos e noventa e nove milionésimos de semelhança.
Tomas era obcecado pelo desejo de descobrir esse milionésimo, de apoderar-se dele; era essa a essência de sua obsessão pelas mulheres. Não era obcecado pelas mulheres, era obcecado pelo que em cada uma delas havia de inimaginável, ou melhor, era obcecado por esse milionésimo que torna uma mulher diferente das outras.
(Talvez sua paixão de cirurgião se juntasse aqui à sua paixão pelas mulheres. Não largava o bisturi imaginário, nem mesmo quando estava com suas amantes. Desejava apossar-se de algo profundamente escondido no interior delas, e para isso era preciso rasgar a camada superficial que as envolvia.)
Temos, é claro, o direito de perguntar por que ia buscar na sexualidade esse milionésimo de diferença. Por que não procurá-lo, por exemplo, no andar, nas preferências culinárias ou no senso estético de uma ou de outra?
De fato, esse milionésimo de diferença está presente em todos os aspectos da vida humana, e por toda parte é desvelado em público, não havendo necessidade de descobri-lo, ou de um bisturi para chegar a ele. Que uma mulher prefira queijo a todas as outras comidas e que outra não suporte couve-flor é certamente um sinal de originalidade, mas vê-se logo que essa originalidade é insignificante e inútil, e que perderíamos tempo procurando encontrar algum valor nela.
È só na sexualidade que o milionésimo de diferença aparece como uma coisa preciosa, que não se oferece em público e é preciso conquistar. Há meio século, esse gênero de conquista exigia tempo (semanas, às vezes meses!), e o valor do objeto conquistado media-se pelo tempo consagrado a obtê-lo, diminuído bastante, a sexualidade ainda é para nós o cofre onde se esconde o mistério do “eu” feminino.
Não era, portanto, o desejo do prazer (o prazer vinha, digamos, como um prêmio extra), mas o desejo de apossar-se do mundo (de abrir com um bisturi o corpo prostrado do mundo) que o levava à conquista das mulheres.”
Mas, desde que vivia com Tereza, sua atividade erótica tropeçava em dificuldades de organização: não podia dedicar-lhe (entre sala de operações e sua casa) senão uma pequena faixa de tempo que decerto explorava intensamente (como um agricultor aproveita ao máximo sua faixa de terra), mas não podia se comparar às desesseis horas que súbito recebera de presente. (Digo dezesseis, pois, mesmo as oito horas em que lavava vidraças ofereciam mil oportunidades para marcar encontros com novas vendedoras, funcionárias ou donas-de-casa.)
O que procurava em todas essas mulheres? Por que elas o atraíam? Não seria o amor físico a eterna repetição do mesmo ato?
De forma nenhuma. Há sempre uma porcentagem de inesperado. Ao ver uma mulher vestida, podia de fato imaginar mais ou menos como seria ela nua ( isso sua experiência de médico completava a experiência de amante), mas entre a aproximação da idéia e a precisão da realidade subsistia um pequeno intervalo de inimaginável, e era essa lacuna que não o deixava em paz. Além disso, a busca do inimaginável não termina com a descoberta da nudez, vai além dela: que cara faria ela ao retirar a roupa? O que diria quando fizesse amor? Como soariam seus suspiros? Que rictos se estampariam em seu rosto na hora do orgasmo?
Aquilo que o “eu” tem de único se esconde exatamente naquilo que o ser humano tem de inimaginável. Só podemos imaginar aquilo que é idêntico em todos os seres humanos, aquilo que lhes é comum. O “eu” individual é aquilo que se distingue do geral, portanto aquilo que precisa ser desvelado, descoberto e conquistado junto ao outro.
Tomas, que durante os últimos dez anos de sua atividade médica vinha ocupando exclusivamente do cérebro humano, sabia que não havia nada mais difícil do que identificar o “eu”. Entre Hitler e Einstein, entre Brejnev e Soljenitsin, há muito mais semelhanças do que diferenças. Se quiséssemos expressar essa idéia em números, poderíamos dizer que existe entre eles um milionésimo de diferença e novecentos e noventa e nove mil novecentos e noventa e nove milionésimos de semelhança.
Tomas era obcecado pelo desejo de descobrir esse milionésimo, de apoderar-se dele; era essa a essência de sua obsessão pelas mulheres. Não era obcecado pelas mulheres, era obcecado pelo que em cada uma delas havia de inimaginável, ou melhor, era obcecado por esse milionésimo que torna uma mulher diferente das outras.
(Talvez sua paixão de cirurgião se juntasse aqui à sua paixão pelas mulheres. Não largava o bisturi imaginário, nem mesmo quando estava com suas amantes. Desejava apossar-se de algo profundamente escondido no interior delas, e para isso era preciso rasgar a camada superficial que as envolvia.)
Temos, é claro, o direito de perguntar por que ia buscar na sexualidade esse milionésimo de diferença. Por que não procurá-lo, por exemplo, no andar, nas preferências culinárias ou no senso estético de uma ou de outra?
De fato, esse milionésimo de diferença está presente em todos os aspectos da vida humana, e por toda parte é desvelado em público, não havendo necessidade de descobri-lo, ou de um bisturi para chegar a ele. Que uma mulher prefira queijo a todas as outras comidas e que outra não suporte couve-flor é certamente um sinal de originalidade, mas vê-se logo que essa originalidade é insignificante e inútil, e que perderíamos tempo procurando encontrar algum valor nela.
È só na sexualidade que o milionésimo de diferença aparece como uma coisa preciosa, que não se oferece em público e é preciso conquistar. Há meio século, esse gênero de conquista exigia tempo (semanas, às vezes meses!), e o valor do objeto conquistado media-se pelo tempo consagrado a obtê-lo, diminuído bastante, a sexualidade ainda é para nós o cofre onde se esconde o mistério do “eu” feminino.
Não era, portanto, o desejo do prazer (o prazer vinha, digamos, como um prêmio extra), mas o desejo de apossar-se do mundo (de abrir com um bisturi o corpo prostrado do mundo) que o levava à conquista das mulheres.”
Dez réis de esperança
Se não fosse esta certeza
que nem sei de onde me vem,
não comia, nem bebia,
nem falava com ninguém.
Acocorava-me a um canto,
no mais escuro que houvesse,
punha os joelhos á boca
e viesse o que viesse.
Não fossem os olhos grandes
do ingénuo adolescente,
a chuva das penas brancas
a cair impertinente,
aquele incógnito rosto,
pintado em tons de aguarela,
que sonha no frio encosto
da vidraça da janela,
não fosse a imensa piedade
dos homens que não cresceram,
que ouviram, viram, ouviram,
viram, e não perceberam,
essas máscaras selectas,
antologia do espanto,
flores sem caule, flutuando
no pranto do desencanto,
se não fosse a fome e a sede
dessa humanidade exangue,
roía as unhas e os dedos
até os fazer em sangue.
António Gedeão
que nem sei de onde me vem,
não comia, nem bebia,
nem falava com ninguém.
Acocorava-me a um canto,
no mais escuro que houvesse,
punha os joelhos á boca
e viesse o que viesse.
Não fossem os olhos grandes
do ingénuo adolescente,
a chuva das penas brancas
a cair impertinente,
aquele incógnito rosto,
pintado em tons de aguarela,
que sonha no frio encosto
da vidraça da janela,
não fosse a imensa piedade
dos homens que não cresceram,
que ouviram, viram, ouviram,
viram, e não perceberam,
essas máscaras selectas,
antologia do espanto,
flores sem caule, flutuando
no pranto do desencanto,
se não fosse a fome e a sede
dessa humanidade exangue,
roía as unhas e os dedos
até os fazer em sangue.
António Gedeão
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
Receita
-È, doutor...tá tudo muito ruim! Ruim mesmo! E doído, digo mais! Parece que tem uma coisa que não quer sair de mim, um incômodo aqui nas entranhas mesmo...E é desesperador porque eu não consigo ver motivo, causa nenhuma. Isso, que se esconde em mim, vem me acompanhando faz um tempo já, e já tentei de tudo desde então: fiz milhões de novas amizades; já tive outros milhões de maravilhosos amores; carnaval não faltou também, e na verdade parecia que sempre tudo ia acabar se eu metesse os pés pelas mãos, fizesse alguma coisa extraordinária, vivesse 5 anos em 5 meses. Mas tô desesperado de incômodo! Ele não me dá sossego, não houve solução até agora, e não tenho esperanças que as coisas melhorem. É isso o principal: tô sem esperanças que tudo melhore...
-E sua família?
-Que que tem doutor?
-Fale um pouco dela...
-Ahm, tudo normal. E isso é desesperador também, sabe? Minha vida é normalíssima! Tudo dá certo. Tudo mesmo. Mas sempre tem esse diabinho nas minhas entranhas, esse rebuliço, ou melhor, essa coisa sólida e parada, e que me para, que não sai por nada, que eu não consigo me livrar... É, como tudo o que incomoda, inominável.
-Você tem alergia a alguma substância?
-Como assim?
-A algum remédio?
-Que eu saiba, não, Doutor!
-Então vou te receitar isso aqui, tá? (escreve num papel)
-Uhum, doutor...
-Tome duas vezes ao dia...(escreve), compre genérico mesmo...se não achar Luftal, tem também Dimeticona, é mais barato. Quinze gotas diluídas.
-Só quero que isso passe, Doutor, (passa a mão pela barriga, aflito)
-Em dois, três dias no máximo passa...te garanto. Deve ser má alimentação. Só pode ser, te garanto!
-E sua família?
-Que que tem doutor?
-Fale um pouco dela...
-Ahm, tudo normal. E isso é desesperador também, sabe? Minha vida é normalíssima! Tudo dá certo. Tudo mesmo. Mas sempre tem esse diabinho nas minhas entranhas, esse rebuliço, ou melhor, essa coisa sólida e parada, e que me para, que não sai por nada, que eu não consigo me livrar... É, como tudo o que incomoda, inominável.
-Você tem alergia a alguma substância?
-Como assim?
-A algum remédio?
-Que eu saiba, não, Doutor!
-Então vou te receitar isso aqui, tá? (escreve num papel)
-Uhum, doutor...
-Tome duas vezes ao dia...(escreve), compre genérico mesmo...se não achar Luftal, tem também Dimeticona, é mais barato. Quinze gotas diluídas.
-Só quero que isso passe, Doutor, (passa a mão pela barriga, aflito)
-Em dois, três dias no máximo passa...te garanto. Deve ser má alimentação. Só pode ser, te garanto!
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
Os sedutores
"Os homens que vão atrás de muitas mulheres podem facilmente ser divididos em duas categorias. Uns procuram em todas elas sua própria idéia de mulher, como lhes aparece em sonho, subjetiva e sempre a mesma. Outros são levados pelo desejo de tomar posse da infinita diversidade do mundo feminino objetivo.
A obsessão dos primeiros é uma obsessão lírica: procuram a si próprios nas mulheres, procuram o seu ideal e são sempre e continuamente frustrados, porque, como sabemos, é impossível encontrar o que é ideal. Como a frustração que os leva de mulher em mulher dá à inconstância deles uma espécie de desculpa melodramática, muitas mulheres sentimentais acham comovente essa poligamia convicta.
A outra obsessão é uma obsessão épica, e as mulheres não veem nisso nada de comovente: como o homem não projeta nelas um ideal subjetivo, tudo lhe interessa e nada pode decepcioná-lo. Essa incapacidade para a decepção tem qualquer coisa de escandaloso. Aos olhos do mundo, a obsessão do épico não pode ser perdoada (porque não é resgatada pela decepção).
Como o sedutor lírico persegue o mesmo tipo de mulher, nem notamos que mudou de amante; seus amigos estão sempre provocando mal-entendidos, pois não percebem a troca de conpanheiras, e chamam todas pelo mesmo nome.
Na sua caçada a novos conhecimentos, os sedutores épicos (e é essa categoria que temos que colocar Tomas) se distanciam cada vez mais da beleza feminina convencional (da qual enjoam bem depressa) e acabam tornando-se colecionadores de curiosidades. Eles sabem disso, sentem um pouco de vergonha e, para não constranger os amigos, evitam aparecer em público com as amantes"
Trecho de "A insustentável leveza do ser", de Kundera.
A obsessão dos primeiros é uma obsessão lírica: procuram a si próprios nas mulheres, procuram o seu ideal e são sempre e continuamente frustrados, porque, como sabemos, é impossível encontrar o que é ideal. Como a frustração que os leva de mulher em mulher dá à inconstância deles uma espécie de desculpa melodramática, muitas mulheres sentimentais acham comovente essa poligamia convicta.
A outra obsessão é uma obsessão épica, e as mulheres não veem nisso nada de comovente: como o homem não projeta nelas um ideal subjetivo, tudo lhe interessa e nada pode decepcioná-lo. Essa incapacidade para a decepção tem qualquer coisa de escandaloso. Aos olhos do mundo, a obsessão do épico não pode ser perdoada (porque não é resgatada pela decepção).
Como o sedutor lírico persegue o mesmo tipo de mulher, nem notamos que mudou de amante; seus amigos estão sempre provocando mal-entendidos, pois não percebem a troca de conpanheiras, e chamam todas pelo mesmo nome.
Na sua caçada a novos conhecimentos, os sedutores épicos (e é essa categoria que temos que colocar Tomas) se distanciam cada vez mais da beleza feminina convencional (da qual enjoam bem depressa) e acabam tornando-se colecionadores de curiosidades. Eles sabem disso, sentem um pouco de vergonha e, para não constranger os amigos, evitam aparecer em público com as amantes"
Trecho de "A insustentável leveza do ser", de Kundera.
segunda-feira, 12 de outubro de 2009
jorge ben é genial
ôôôôôôôôôôô
ôôôôôôôôôôô
ôôôôôôôôôôô
Os alquimistas estão chegando
Estão chegando os alquimistas
Os alquimistas estão chegando
Estão chegando os alquimistas
ôôôôôôôôôôô
ôôôôôôôôôôô
êêê
êêê
Eles são discretos e silenciosos
Moram bem longe dos homens
Escolhem com carinho a hora
e o tempo do seu precioso trabalho
São pacientes, assíduos e perseverantes
Executam, segundo as regras herméticas
Desde da trituração, a fixação,
a destilação e a coagulação
Trazem consigo cadinhos
Vasos de vidro, potes de louça
Todos bem iluminados
Evitam qualquer relação com pessoas
de temperamento sórdido
de temperamento sórdido
êêê
êêê
êêê
êêê
Os alquimistas estão chegando
Estão chegando os alquimistas
Os alquimistas estão chegando
Estão chegando os alquimistas
ôôôôôôôôôôô
ôôôôôôôôôôô
ôôôôôôôôôôô...
ôôôôôôôôôôô
ôôôôôôôôôôô
Os alquimistas estão chegando
Estão chegando os alquimistas
Os alquimistas estão chegando
Estão chegando os alquimistas
ôôôôôôôôôôô
ôôôôôôôôôôô
êêê
êêê
Eles são discretos e silenciosos
Moram bem longe dos homens
Escolhem com carinho a hora
e o tempo do seu precioso trabalho
São pacientes, assíduos e perseverantes
Executam, segundo as regras herméticas
Desde da trituração, a fixação,
a destilação e a coagulação
Trazem consigo cadinhos
Vasos de vidro, potes de louça
Todos bem iluminados
Evitam qualquer relação com pessoas
de temperamento sórdido
de temperamento sórdido
êêê
êêê
êêê
êêê
Os alquimistas estão chegando
Estão chegando os alquimistas
Os alquimistas estão chegando
Estão chegando os alquimistas
ôôôôôôôôôôô
ôôôôôôôôôôô
ôôôôôôôôôôô...
Minhas mãos coçaram para escrever aqui. Nem que fosse pra falar que minhas mãos coçavam. Mas até agora não consegui pensar no que. Bom, seria bom falar de como são lindas todas as pessoas que me acompanham agora. Como quero estar com todas elas, ao mesmo tempo que sei da impossibilidade da perfeição e da presença delas o tempo todo na minha vida. Talvez seja por isso tão bom escrever aqui. Sei que minhas mãos coçam porque tenho muito a compartilhar, muito a dar, embora queira sempre mais receber, ou ainda, dando com intenções de receber o dobro, ou o triplo. Não se assustem com qualquer vulgaridade, ou falta de meandros para falar. Às vezes gosto de abrir feridas, só para me mostrar que sou suscetível a qualquer coisa. Mas continuando...queria fazer aqui uma homenagem ou dizer um "eu te amo" a todas essas pessoas! Todas mesmo. Desde beberrões que sempre encontro nos bares da vida, ou àqueles que só encontro no MSN. Tem aqueles também que só aparecem no IFCS, e em outros lugares não existem. Tem aqueles que só aparecem pra dar esporro, ou falar besteira; mas valem a pena também. A todos: os amo muito!
terça-feira, 29 de setembro de 2009
A vida bate
Não se trata do poema e sim do homem
e sua vida
- a mentida, a ferida, a consentida
vida já ganha e já perdida e ganha
outra vez.
Não se trata do poema e sim da fome
de vida,
o sôfrego pulsar entre constelações
e embrulhos, entre engulhos.
Alguns viajam, vão
a Nova York, a Santiago
do Chile. Outros ficam
mesmo na Rua da Alfândega, detrás
de balcões e de guichês.
Todos te buscam, facho
de vida, escuro e claro,
que é mais que a água na grama
que o banho no mar, que o beijo
na boca, mais
que a paixão na cama.
Todos te buscam e só alguns te acham. Alguns
te acham e te perdem.
Outros te acham e não te reconhecem
e há os que se perdem por te achar,
ó desatino
ó verdade, ó fome
de vida!
O amor é difícil
mas pode luzir em qualquer ponto da cidade.
E estamos na cidade
sob as nuvens e entre as águas azuis.
A cidade. Vista do alto
ela é fabril e imaginária, se entrega inteira
como se estivesse pronta.
Vista do alto,
com seus bairros e ruas e avenidas, a cidade
é o refúgio do homem, pertence a todos e a ninguém.
Mas vista
de perto,
revela o seu túrbido presente, sua
carnadura de pânico: as
pessoas que vão e vêm
que entram e saem, que passam
sem rir, sem falar, entre apitos e gases. Ah, o escuro
sangue urbano
movido a juros.
São pessoas que passam sem falar
e estão cheias de vozes
e ruínas . És Antônio?
És Francisco? És Mariana?
Onde escondeste o verde
clarão dos dias? Onde
escondeste a vida
que em teu olhar se apaga mal se acende?
E passamos
carregados de flores sufocadas.
Mas, dentro, no coração,
eu sei,
a vida bate. Subterraneamente,
a vida bate.
Em Caracas, no Harlem, em Nova Delhi,
sob as penas da lei,
em teu pulso,
a vida bate.
E é essa clandestina esperança
misturada ao sal do mar
que me sustenta
esta tarde
Ferreira Gullar
e sua vida
- a mentida, a ferida, a consentida
vida já ganha e já perdida e ganha
outra vez.
Não se trata do poema e sim da fome
de vida,
o sôfrego pulsar entre constelações
e embrulhos, entre engulhos.
Alguns viajam, vão
a Nova York, a Santiago
do Chile. Outros ficam
mesmo na Rua da Alfândega, detrás
de balcões e de guichês.
Todos te buscam, facho
de vida, escuro e claro,
que é mais que a água na grama
que o banho no mar, que o beijo
na boca, mais
que a paixão na cama.
Todos te buscam e só alguns te acham. Alguns
te acham e te perdem.
Outros te acham e não te reconhecem
e há os que se perdem por te achar,
ó desatino
ó verdade, ó fome
de vida!
O amor é difícil
mas pode luzir em qualquer ponto da cidade.
E estamos na cidade
sob as nuvens e entre as águas azuis.
A cidade. Vista do alto
ela é fabril e imaginária, se entrega inteira
como se estivesse pronta.
Vista do alto,
com seus bairros e ruas e avenidas, a cidade
é o refúgio do homem, pertence a todos e a ninguém.
Mas vista
de perto,
revela o seu túrbido presente, sua
carnadura de pânico: as
pessoas que vão e vêm
que entram e saem, que passam
sem rir, sem falar, entre apitos e gases. Ah, o escuro
sangue urbano
movido a juros.
São pessoas que passam sem falar
e estão cheias de vozes
e ruínas . És Antônio?
És Francisco? És Mariana?
Onde escondeste o verde
clarão dos dias? Onde
escondeste a vida
que em teu olhar se apaga mal se acende?
E passamos
carregados de flores sufocadas.
Mas, dentro, no coração,
eu sei,
a vida bate. Subterraneamente,
a vida bate.
Em Caracas, no Harlem, em Nova Delhi,
sob as penas da lei,
em teu pulso,
a vida bate.
E é essa clandestina esperança
misturada ao sal do mar
que me sustenta
esta tarde
Ferreira Gullar
Banho de Lama
"As casas, as cidades,
são apenas lugares por onde
passando
passamos"
"Sobre os jardins da cidade
urino pus. Me extravio
na Rua da Estrela, escorrego
no Beco do Precipício.
Me lavo no Ribeirão.
Mijo na Fonte do Bispo.
Na Rua do Sol me cego,
na Rua da Paz me revolto
na do Comércio me nego
mas na das Hortas floreço;
na dos Prazeres soluço
na da Palma me conheço
na do Alecrim me perfumo
na da Saúde adoeço
na do Desterro me encontro
na da Alegria me perco
Na Rua do Carmo berro
na Rua Direita erro
e na da Aurora adormeço"
"a cidade está no homem
quase como a árvore voa
no pássaro que a deixa
cada coisa está em outra
de sua própria maneira
e de maneira distinta
de como está em si mesma
a cidade não está no homem
do mesmo modo que em suas
quitandas praças e ruas"
Ferreira Gullar, em o "Poema Sujo"
são apenas lugares por onde
passando
passamos"
"Sobre os jardins da cidade
urino pus. Me extravio
na Rua da Estrela, escorrego
no Beco do Precipício.
Me lavo no Ribeirão.
Mijo na Fonte do Bispo.
Na Rua do Sol me cego,
na Rua da Paz me revolto
na do Comércio me nego
mas na das Hortas floreço;
na dos Prazeres soluço
na da Palma me conheço
na do Alecrim me perfumo
na da Saúde adoeço
na do Desterro me encontro
na da Alegria me perco
Na Rua do Carmo berro
na Rua Direita erro
e na da Aurora adormeço"
"a cidade está no homem
quase como a árvore voa
no pássaro que a deixa
cada coisa está em outra
de sua própria maneira
e de maneira distinta
de como está em si mesma
a cidade não está no homem
do mesmo modo que em suas
quitandas praças e ruas"
Ferreira Gullar, em o "Poema Sujo"
segunda-feira, 28 de setembro de 2009
Acontece, às vezes, de desaparecer a personalidade, e a objetividade, que é própria aos poetas panteístas, desenvolve-se de modo tão anormal que a contemplação dos objetos externos faz com que você esqueça a sua própria existência e confunda-se em seguida com eles. Seu olhar se fixa em uma árvore harmoniosa curvada ao vento. Em alguns segundos, o que seria para o cérebro de um poeta uma comparação bastante natural torna-se realidade para o seu. Primeiramente, você empresta à árvore as suas paixões, seus desejos ou sua melancolia; os gemidos e as oscilações tornam-se seus e, logo, você é a árvore. Da mesma forma, o pássaro que plana no fundo do céu representainicialmente o imortal anseio de planar acima das coisas humanas; mas eis que você é o próprio pássaro. Eu o imagino sentado e fumando. Sua atenção repousará longamente sobre as nuvens azuladas que exalam de seu cachimbo. A idéia de uma evaporação, lenta, sucessiva, eterna, tomará conta de seu espírito, e você aplicará em seguida esta idéia aos seus próprios pensamentos, à sua matéria pensante. Por um estranho equívoco, por uma espécie de transposição ou de quiproquó intelectual, você se sentirá evaporando, e atribuirá ao seu cachimbo (no qual você vai se sentir curvado e encolhido como o tabaco) a estranha faculdade de fumá-lo.
Baudelaire, em "O teatro de Serafim".
Baudelaire, em "O teatro de Serafim".
Sonhei contigo ontem. Sonhei que dormia e que acordava com seus carinhos e com seu olhar nos meus olhos se abrindo. Seu olhar...Vi todo um passado num só relance. Você me contava que tinha esperado eu acordar por muito tempo, mas que não houve sofrimento nenhum. Não precisou de paciência. Disse que sabia que quando eu acordasse valeria a pena da espera. Eu, a meia voz, contava que fora a melhor surpresa do mundo acordar assim. Contava para ti que muita coisa estava presa na minha garganta, e que fizera mal a tanta gente...Você sorriu, dizendo que isso não importava mais, que eu te contaria tudo ali, naquela hora, e tudo estaria bem depois. Tive vontade de dizer que te amava. Segurei-me. Agora me arrependo. Entendi então que o espaço compreendido entre meu rosto e o seu, delimitado pelos seus cabelos e pela luz alaranjada desperdiçada pelo sol se pondo era onde eu viveria mais intensamente, era onde eu deveria morrer. Escapou-me um sorriso, um bem aberto. Pisquei os olhos, talvez numa tentativa de testar a realidade, mas paguei a pena. Você sumiu então literalmente num piscar de olhos, e troquei meu espaço ideal por uma cama escura e solitário de um começo de noite. Acordei. Você nunca tinha existido.
Irmão
Quero te abraçar pra sempre
Sentir que tudo é certo nos seus braços
Tudo é errado em você
Não to afim do seu cheiro. O seu cheiro...
Mas quero sentir o que!
Te dizer que sou nada sem você, menos ainda contigo!
Calar a tua boca a toda besteira que consegue falar, e te falar que o silêncio é um bom companheiro!
Cala-te e faz do meu carinho o seu, esqueça tudo que você fez e conseguiu pra ti.
Sou teu companheiro, sou teu irmão, sou tua alma!
Sentir que tudo é certo nos seus braços
Tudo é errado em você
Não to afim do seu cheiro. O seu cheiro...
Mas quero sentir o que!
Te dizer que sou nada sem você, menos ainda contigo!
Calar a tua boca a toda besteira que consegue falar, e te falar que o silêncio é um bom companheiro!
Cala-te e faz do meu carinho o seu, esqueça tudo que você fez e conseguiu pra ti.
Sou teu companheiro, sou teu irmão, sou tua alma!
segunda-feira, 21 de setembro de 2009
Digo-lhe que venha, que me possua outra vez. Ele obedece. É bom o cheiro do cigarro inglês, o perfume caro, ele cheira a mel, sua pele absorveu o cheiro da seda, aquele cheiro de fruta do tussor de seda, do ouro, ele desperta o desejo. Digo que o desejo. Diz que devo esperar. Ele fala, diz que desde o primeiro momento, desde a travessia do rio sabia que eu seria assim depois do meu primeiro amante, que eu amaria o amor, sabia que desde o momento que eu o enganaria e que ia enganar a todos os homens com quem fizesse amor. Disse que,quanto a ele, forainstrumento da prápria infelicidade. Digo que o que está dizenso me faz feliz. ele fica violento, seu sentimento é de desespero, atira-se sobre meu corpo, devora os seios de criança, grita, insulta. Fecho os olhos para o prazer imenso. Penso: está habituado, é isso que ele faz na vida, amor, somente isso. As mãos são hábeis, maravilhosas, perfeitas. Tenho muita sorte, é claro, é como se fosse uma profissão, sem saber ele sabe exatamente o que deve ser feito, o que deve ser dito. Ele me chama de puta, de nojenta, diz que sou seu único amor, e é isso que deve dizer e é isso que se diz quando não se controlam as palavras, quando se deixa que o corpo faça, que procure e encontre e possua o que deseja, e então tudo é bom, não há sujeira, a sujeira está encoberta, tudo é levado pela torrente, pela força do desejo.
Ibid.
Ibid.
suspiro
O sussurro-gemido-grito-prazer sendo concebido no topo do peito, começando a deslizar suavemente pelo começo da garganta, fazendo cócegas antes de escapar em forma de ar, e passando a ser som quando entra em contato com a língua. Língua bailarina que sempre gostou dessas cócegas sorrateiras que chegam anunciando a satisfação, por isso sempre procura. Está sempre procurando. O pulmão, reprimido qual sempre foi, acha esse escape dos seus brônquios a coisa mais safada do mundo, e prepara o suspiro com um cuidado que ninguém consegue ter, talhando-o. A garganta adora passar a mão nele, e acarariciando-o conduz seu caminho até onde for possível. Ela quer é que ele voe. Não para. Não para alguém. O suspiro quer voar. A pele, de onde pode, arrepia-se, quer entrar na bagunça, ninguém quer perder. Fica espiando pra ver no que vai dar, pra ver onde vai entrar. O colapso vem com os nervos. Pobres fracos. Não suportam nada estanque, querem que tudo se esvaia. Querem fazer do prazer espírito. Se contorcem, se estapeiam, chegando até à descarga completa do amor. E o coração agora começa a sossegar, a querer que o mundo pare de rodar, que o nada seja trocado pelo alguma coisa, por uma bobeira que seja... Sossega suas pulsações. Chega!
Sangue, segure-se, Pele, desarrepie-se, Prazer, volte quando bem entender.
Sangue, segure-se, Pele, desarrepie-se, Prazer, volte quando bem entender.
Os olhos também são claros. O vestido rosa e antigo, e empoeirada a capelina negra, sob o sol da rua. Ela é esguia, alta, desenhada a nanquim, uma pintura. As pessoas param e olham maravilhadas a elegância daquela estrangeira que passa sem ver. Soberana. Não se pode dizer imediatamente de onde vem. E depois pensa-se que só pode ter vindo de outra parte, de longe. Ela é bela, bela por isso. Veste-se com antigos trapos da Europa, restos de brocados, velhos costumes fora de moda, velhas cortinas, velhos bens, velhos fragmentos, velhos farrapos de alta costura, velhas peles de raposa comidas de traça, velhas lontras, sua beleza é assim, rasgada, friorenta, soluçante, e de exílio, nada lhe fica bem, tudo é grande demais para ela, e é belo, ela flutua, frágil, não se fixa em nada, mas é belo. Ela é feita assim, no rosto e no corpo, de modo que tudo que a toca logo participa, infalivelmente, daquela beleza.
Marguerite Duras, "O amante".
Marguerite Duras, "O amante".
Há um site bem interessante pra quem gosta do filósofo Gilles Deleuze e de economizar dinheiro através de pirataria. O nome é "Dossiê Gilles Deleuze", e há senão todos os textos, a maioria deles, inclusive resenhas de textos dele e depoimentos sobre o francês. Fikadica: http://www.dossie_deleuze.blogger.com.br/index.html
Engane-se
Diria que sim. A vontade é dizer sim! Pra tudo. Principalmente pra você. E gritar, gritar muito! E bradar o hino da loucura, do descontrole, ou inventar um!
Não dizer é um desperdício tão grande! Não gritar! Mas quem sou eu pra falar de desperdício, de perda...
Esqueça! Sou o que sou agora, o que fui já não é, e sou possuído a todo instante por quem não sou, e não sei mais se sou quem me possuo ou o possuído. Não vá querer me prever, me censurar me chamando de mentiroso! Um mentiroso não se diz mentiroso, mesmo quando quer dizer a verdade. Então só sinta o que vos falo, esqueça se minto, se quero te enganar. Afinal, sentir é enganar a si mesmo, é enganar teu corpo, de que o mal não existe, convencendo-o de que tudo é um só, de que não falta mais nada, de que aquele intervalo de um segundo basta toda sua existência. Acredite, ou se engane: quero gritar!
Não dizer é um desperdício tão grande! Não gritar! Mas quem sou eu pra falar de desperdício, de perda...
Esqueça! Sou o que sou agora, o que fui já não é, e sou possuído a todo instante por quem não sou, e não sei mais se sou quem me possuo ou o possuído. Não vá querer me prever, me censurar me chamando de mentiroso! Um mentiroso não se diz mentiroso, mesmo quando quer dizer a verdade. Então só sinta o que vos falo, esqueça se minto, se quero te enganar. Afinal, sentir é enganar a si mesmo, é enganar teu corpo, de que o mal não existe, convencendo-o de que tudo é um só, de que não falta mais nada, de que aquele intervalo de um segundo basta toda sua existência. Acredite, ou se engane: quero gritar!
De que me rio eu?... Eu rio horas e horas
De que me rio eu?... Eu rio horas e horas
só para me esquecer, para me não sentir.
Eu rio a olhar o mar, as noites e as auroras;
passo a vida febril inquietantemente a rir.
Eu rio porque tenho medo, um terror vago
de me sentir a sós e de me interrogar;
rio pra não ouvir a voz do mar pressago
nem a das coisas mudas a chorar.
Rio pra não ouvir a voz que grita dentro de mim
o mistério de tudo o que me cerca
e a dor de não saber porque vivo assim.
António Patrício
só para me esquecer, para me não sentir.
Eu rio a olhar o mar, as noites e as auroras;
passo a vida febril inquietantemente a rir.
Eu rio porque tenho medo, um terror vago
de me sentir a sós e de me interrogar;
rio pra não ouvir a voz do mar pressago
nem a das coisas mudas a chorar.
Rio pra não ouvir a voz que grita dentro de mim
o mistério de tudo o que me cerca
e a dor de não saber porque vivo assim.
António Patrício
terça-feira, 8 de setembro de 2009
entre dois lugares
-Desculpe, minha senhora, mas por acaso exalo algum cheiro que a desagrade?
-Pois não?
-Meu cheiro a incomoda?
-Perdão, meu senhor, mas que tipo de pergunta é essa?
-Uma que é como qualquer outra...
-Convenhamos que não é uma bem comum...
-Convenho sim, mas então não irá responder?
-Se minha resposta é tão importante para o senhor, digo que sim, seu odor não me agrada de forma alguma.
-Bom, essa resposta só veio a confirmar minha suposição. O incômodo também é capaz de se exalar pelas pessoas.
-...não foi minha intenção...
-Não se aflija, cara senhora. Incomodo-me também muitas vezes com muitas coisas. Mas descobri que minha vida é outra, e muito melhor, depois que aprendi a gostar do que me incomodava, de tentar cheirar as coisas de outra maneira.
-E isso é possível? Cheirar uma mesma coisa de duas formas?
-E o que não é? Talvez fosse possível para a senhora também gostar de algo que a incomode, como meu cheiro.
-E por que se importa se gosto ou não de seu cheiro?
-E a senhora não gosta de que gostem de você?
-Mas em que dimensão cheirar e gostar tem relação um com o outro?
-Em todas, minha senhora. Não vês? Só se gosta pelo cheiro! O cheirar é o próprio gostar!
-Pois não?
-Meu cheiro a incomoda?
-Perdão, meu senhor, mas que tipo de pergunta é essa?
-Uma que é como qualquer outra...
-Convenhamos que não é uma bem comum...
-Convenho sim, mas então não irá responder?
-Se minha resposta é tão importante para o senhor, digo que sim, seu odor não me agrada de forma alguma.
-Bom, essa resposta só veio a confirmar minha suposição. O incômodo também é capaz de se exalar pelas pessoas.
-...não foi minha intenção...
-Não se aflija, cara senhora. Incomodo-me também muitas vezes com muitas coisas. Mas descobri que minha vida é outra, e muito melhor, depois que aprendi a gostar do que me incomodava, de tentar cheirar as coisas de outra maneira.
-E isso é possível? Cheirar uma mesma coisa de duas formas?
-E o que não é? Talvez fosse possível para a senhora também gostar de algo que a incomode, como meu cheiro.
-E por que se importa se gosto ou não de seu cheiro?
-E a senhora não gosta de que gostem de você?
-Mas em que dimensão cheirar e gostar tem relação um com o outro?
-Em todas, minha senhora. Não vês? Só se gosta pelo cheiro! O cheirar é o próprio gostar!
sábado, 29 de agosto de 2009
A saga começa
Não tinha como carregar meu celular. Esse é o único motivo de não mandar notícias pelo Twitter.
A viagem foi muito maneira! Todos tentando resistir ao tédio e ao futum que imperava no onibus todo, como se espera de uma viagem de 45 pessoas durante 42h num onibus furreba. O banheiro tinha um cheiro inexplicavel.
Paramos as duas manhas para tomar banho e e cafe, mas alguns imprevistos nos tomaram. Dois pneus furados: um em ita-algumacoisa (BA), e em Recife.
Os porres foram majestosos e a diversão foi total.
O estado da Bahia nunca acabava (foram um dia e pouco atravessando-o) e alagoas e pernambuco são uma só plantação de cana de açicar, uma mega plantação.
Cheguei agora em j pessoa. Alojamento muvucado e camping pra quem trouxe barraca. tudo como esperado. As coisas estão se assentando e ainda não está nada certo, mas tudo promete ser muito muito.
Prometo atualizar o Twitter.
Beijos!
A viagem foi muito maneira! Todos tentando resistir ao tédio e ao futum que imperava no onibus todo, como se espera de uma viagem de 45 pessoas durante 42h num onibus furreba. O banheiro tinha um cheiro inexplicavel.
Paramos as duas manhas para tomar banho e e cafe, mas alguns imprevistos nos tomaram. Dois pneus furados: um em ita-algumacoisa (BA), e em Recife.
Os porres foram majestosos e a diversão foi total.
O estado da Bahia nunca acabava (foram um dia e pouco atravessando-o) e alagoas e pernambuco são uma só plantação de cana de açicar, uma mega plantação.
Cheguei agora em j pessoa. Alojamento muvucado e camping pra quem trouxe barraca. tudo como esperado. As coisas estão se assentando e ainda não está nada certo, mas tudo promete ser muito muito.
Prometo atualizar o Twitter.
Beijos!
segunda-feira, 24 de agosto de 2009
O Haver
Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...
Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.
Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.
Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.
Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.
Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.
Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.
Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.
Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante
E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.
Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.
Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...
Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.
Vinicius de Moraes
15/04/1962
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...
Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.
Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.
Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.
Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.
Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.
Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.
Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.
Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante
E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.
Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.
Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...
Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.
Vinicius de Moraes
15/04/1962
sexta-feira, 14 de agosto de 2009
Fikadica
Andei lendo “Ordem do discurso”, palestra de Foucault transformada em livro, proferida quando de sua admissão na cátedra no Collège de France, em 1970. É um livro bem fininho, que é lido numa tarde à toa, mas que demora a vida toda pra ser entendido. A intenção da palestra seria de apresentar para o auditório as pesquisas que o filósofo pretendia seguir na instituição, perpassando pelo que já tinha feito até aquele momento. Na primeira parte, se dedica a uma análise do discurso e de suas práticas na “nossa sociedade”, como gostou de dizer, mas principalmente se preocupa com as formas de repressão, limitação, cerceamento e deslocamento desse discurso e o poder embutido nessa luta. Segundo o próprio: “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo pelo que se luta, o poder de que queremos nos apoderar”. Bom, tudo isso pode ser encontrado no verso do livro (inclusive a citação), onde uma moça faz uma sinopse muito boa sobre o texto, porém acho que ele seria um bom condutor da leitura do autor, embora minimamente lido por mim, e que destaca bastante o caminho que a filosofia francesa contemporânea a Foucault irá trilhar, a linguagem (discurso) como preocupação maior na análise do pensamento e de sua relação com o Poder - a História da Filosofia que para Foucault seria válida.
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
agora os "comentários inúteis em horas improváveis" estarão no twitter. bom, algumas explicações e defesas: tá, td bem, não tenho tanta assiduidade assim pra falar que haverá um porrão de coisa pra ler, e que as poucas que tiverem serão legais, mas já é um começo; já o twitter...bom, o twitter não tenho o que falar.
pra quem quiser...: http://twitter.com/Gabriel_16
pra quem quiser...: http://twitter.com/Gabriel_16
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Comentários inúteis em horas improváveis
o que vem por aí?
já faz um tempo que venho me interessando cada vez mais nas possibilidades das novas tecnologias de informação e conhecimento(NTICs). quer dizer, bastante tempo, pois logo quando entrei no programa de pesquisa do LIINC, da UFRJ, já entrara em contato com essas novidades e com alguns estudos sobre estas. estou tentando ser aqui o menos cluchê possível, com todo esse papo de "novas possibilidades", "tecnologias que podem mudar o mundo" e blá blá blá. mas não é exatamente assim que as coisas estão se movimentando ultimamente. e quando digo ultimamente me refiro a dois, talvez três anos atrás. tamanho é o potencial que se tem que pode ser visto pela preocupação das grande corporações e conglomerados que começam a botar suas melhores armas em jogo, mas que na verdade escondem uma tremedeira de pernas terrível, um medo danado do que surge hoje das redes sociais (e estéticas, digamos) extremamente poderosas. o que se tem hoje é a internet em nuvem (ou computação em nuvem), acontecimento tão poderoso quanto perigoso, que pode tanto potencializar a criação e a inovação quanto colocar em risco a própria integridade de quem se encontra na rede mundial (tirando, é claro, o bilhão de sub-humanos que não sabe se comerá amanhã). o que se tem hoje é um bilhão e meio de computadores, celulares em milhões e algumas geladeiras e microondas, conectados numa rede complexa como nunca foi; diferenciada e que produz diferença como qualquer outro sistema. os números daqui a dez anos podem chegar na casa do trilhão, fato ainda mais assustador, quando se vê a fragilidade que acompanha tal processo de virtualização que trava briga feia com os processos tradicionais. é essencial nos preocuparmos: o que vem por aí é mais forte e poderoso que scraps e testimonials.
terça-feira, 4 de agosto de 2009
Às vezes o que se precisa é distância. Nem mesmo pensar na presença. Ficávamos pensando muito em como seria se fizéssemos diferente, se fossemos mais fazedores. Espero que não esteja sendo assim com quem estiver agora. Espero que o que estiver fazendo agora seja algo que valha a pena ser vivido, e não contado. Os melhores escritores são os piores vivants. Então escreva mal, querida. Viva para não contar nada para ninguém. Quero você depois com tudo que viveu, sem saber o que foi. Não jogue jogos com a sua vida, não aqueles sem-graça. Apenas viva. Não queira escrever sobre ela. Parabéns pelo aniversário, amiga.
segunda-feira, 20 de julho de 2009
À beira do colapso. A cada batida do martelo, a cada grito do cinzel a cabeça explodia. A fumaça do cigarro empurrada goela abaixo dava um alívio quase torturante, pois a perpetuação dessa luta era pior que o próprio não ser.
Conhecia os motivos, as razões e as implicações. Não conhecia nada. O que sentia era desespero por tudo existir sem ele. Era desnecessário. O mundo era indiferente. Tudo passava e arrastava principalmente aquilo que não aceitava ir. Ironia. Ou ir ou ser carregado. Sem meia-conversa. Isso. Só. A maré.
Se pelo menos não fizesse sentido. Se tudo se passasse ao menos como sonhos. Antes pesadelos. Queria as entranhas reviradas, não massacradas e pisadas.
Conhecia os motivos, as razões e as implicações. Não conhecia nada. O que sentia era desespero por tudo existir sem ele. Era desnecessário. O mundo era indiferente. Tudo passava e arrastava principalmente aquilo que não aceitava ir. Ironia. Ou ir ou ser carregado. Sem meia-conversa. Isso. Só. A maré.
Se pelo menos não fizesse sentido. Se tudo se passasse ao menos como sonhos. Antes pesadelos. Queria as entranhas reviradas, não massacradas e pisadas.
Depois de quase 1 ano de análise a sensação que tenho é que ao longo desse tempo fui emburrecendo aos poucos. Isso porque, como se sabe, a inteligência é o descontrole do espírito, pelo menos aquela desejada. Não consigo mais fluir, não consigo mais me perder. Os muros dessa prisão são o controle dos desejos. Melhor: a consciência deles. Não que a agonia causada pela confusão da loucura fosse algo agradável com que se lidar.
Mas da mesma maneira a agonia da normalidade abate quem um dia tentou entrar em contato com a falta de parâmetros. Pretensão a minha achar que sou louco. Ser patético sou em tentar me controlar.
Mas da mesma maneira a agonia da normalidade abate quem um dia tentou entrar em contato com a falta de parâmetros. Pretensão a minha achar que sou louco. Ser patético sou em tentar me controlar.
quinta-feira, 18 de junho de 2009
segunda-feira, 18 de maio de 2009
A mágica
Em todas as suas fotos você revela seu lado de mágica: as como musa, as como artista. E em todas as vezes que te vejo, parece que seu olhar ri de tudo, que teu sorriso já antecipa cada movimento do mundo.
Só tens mistério, mas nenhum segredo. Tudo está aí.
O desejo que me leve contigo e me sussurre. Só esse. Quero o soprar dos encantamentos da tua boca enorme a acariciar meus sonhos.
Só tens mistério, mas nenhum segredo. Tudo está aí.
O desejo que me leve contigo e me sussurre. Só esse. Quero o soprar dos encantamentos da tua boca enorme a acariciar meus sonhos.
domingo, 17 de maio de 2009
Um filete só
Ela sempre encontrava aquilo que no tumulto do tudoagitando-se resguardava uma tranquilidade irônica, que ria de todos. Sempre conseguiu criar coisas que a mim pareciam geniais,mas ultrajantes a muita gente. Nunca se importou com o ultraje. Nunca se importou com o que diziam sobre o quê. O que importava era o que para ela importava.
A escrita vinha naturalmente. Era o próprio coração.
Não vi ter pretensões. Tinha poder de realizar o que quisesse. Pelo menos o quanto fosse da propriedade da sua vida. Ela criava vida. Até nas terras mortas do seu espírito. E quando não conseguia, abandonava correndo o lugar, com medo de se resignar. Era criadora, pode-se dizer assim.
Sabe quando você interfere na vida de alguém para que ela mude do jeito que você quer que ela seja? Então...
Virou ela alguém que despreza o caráter confuso. O incerto tem que ser bom. Bom, o incerto sempre é legal, quando você não sabe o que vai acontecer. Quando já se sabe ele é mau. Sério. A previsibilidade do incerto não presta. Você se torna um cafajeste, sabia? Como ela amaria alguém com caráter incertamente previsível (ou previsivelmente incerto?).
A conheci, amei muito, e quero...bom, não tenho a mínima idéia de que quero agora.
Esse é só um filete de pensamento de algo bom, de alguém bom. E só.
A escrita vinha naturalmente. Era o próprio coração.
Não vi ter pretensões. Tinha poder de realizar o que quisesse. Pelo menos o quanto fosse da propriedade da sua vida. Ela criava vida. Até nas terras mortas do seu espírito. E quando não conseguia, abandonava correndo o lugar, com medo de se resignar. Era criadora, pode-se dizer assim.
Sabe quando você interfere na vida de alguém para que ela mude do jeito que você quer que ela seja? Então...
Virou ela alguém que despreza o caráter confuso. O incerto tem que ser bom. Bom, o incerto sempre é legal, quando você não sabe o que vai acontecer. Quando já se sabe ele é mau. Sério. A previsibilidade do incerto não presta. Você se torna um cafajeste, sabia? Como ela amaria alguém com caráter incertamente previsível (ou previsivelmente incerto?).
A conheci, amei muito, e quero...bom, não tenho a mínima idéia de que quero agora.
Esse é só um filete de pensamento de algo bom, de alguém bom. E só.
terça-feira, 12 de maio de 2009
segunda-feira, 11 de maio de 2009
E por vezes as noites duram meses
E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.
David Mourão-Ferreira
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.
David Mourão-Ferreira
Carícias
Pra onde vão seus olhos?
Pra onde querem ir?
Onde querem estar?
Se em mim esbarram
Tudo o mais conseguem alcançar
Suplicam teus olhos
Por um algo
E estarão sempre a suplicar
Pra onde querem ir?
Onde querem estar?
Se em mim esbarram
Tudo o mais conseguem alcançar
Suplicam teus olhos
Por um algo
E estarão sempre a suplicar
terça-feira, 5 de maio de 2009
Será que se você não tiver nenhum recado no orkut ninguém gosta de você?
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Comentários inúteis em horas improváveis
segunda-feira, 4 de maio de 2009
Um acontecimento, às vezes, pode nos despertar tanto desgosto e raiva de alguém que é capaz de muitas coisas ditas quando ainda se afloram sentimentos ruins poderem ser confudidas com uma vingança. Na verdade, no momento, talvez seja a única forma e a mais imediata reação que se possa ter. Nada que torne dignas essas palavras grosseiras, muito menos, que torne digna a pessoa que as escreve, que pelo contrário assume realmente coisas terríveis que acontecem e depois daí passa somente a ver a si e a suas ações por essas lentes contaminadas pela verdade dita por algum outro.
Mas aí é que está.
Será que se alguma coisa de ruim que é percebida (percebamos o problema dessa 'percepção), ela deve ser falada, deve ser exposta para quem seria o autor do crime? Será que há alguma coisa a ser percebida, e se for, será que poderá ser consertada, e se não puder, será que adiantará ser dita?
Muitas perguntas esquisitas e que pode parecer uma fuga dos 'verdadeiros' problemas de alguém que sempre irá fugir deles e relegá-los a alguma parte do seu espírito, onde provavelmente nem ele saiba.
Não sei...não sei...
Acho que o importante é o sentimento resultante de tanta análise e percepção, sobretudo, de uma percepção indireta de que alguém é uma merda, e de que um outro alguém não falha. De que alguém se esconde e de que alguém grita uma potência quase sem limites. De que alguém é réu e culpado. De que ele não é nada e poderia ser tudo. De que ele deve ser esquecido como se fosse um passado o qual ninguém quer na memória.
Meu pedido é que julguem muito, analisem bastante, tenham alguém o máximo de tempo possível na sua cabeça, mas não os façam perceber que os erros que cometeram são irreversíveis, que seu passado é condenável, e que tudo de bom que poderia ter acontecido foi ela, justamente ela que acabou com tudo!
Amem! Mas o façam, se possível, em silêncio!
Anônimo
Mas aí é que está.
Será que se alguma coisa de ruim que é percebida (percebamos o problema dessa 'percepção), ela deve ser falada, deve ser exposta para quem seria o autor do crime? Será que há alguma coisa a ser percebida, e se for, será que poderá ser consertada, e se não puder, será que adiantará ser dita?
Muitas perguntas esquisitas e que pode parecer uma fuga dos 'verdadeiros' problemas de alguém que sempre irá fugir deles e relegá-los a alguma parte do seu espírito, onde provavelmente nem ele saiba.
Não sei...não sei...
Acho que o importante é o sentimento resultante de tanta análise e percepção, sobretudo, de uma percepção indireta de que alguém é uma merda, e de que um outro alguém não falha. De que alguém se esconde e de que alguém grita uma potência quase sem limites. De que alguém é réu e culpado. De que ele não é nada e poderia ser tudo. De que ele deve ser esquecido como se fosse um passado o qual ninguém quer na memória.
Meu pedido é que julguem muito, analisem bastante, tenham alguém o máximo de tempo possível na sua cabeça, mas não os façam perceber que os erros que cometeram são irreversíveis, que seu passado é condenável, e que tudo de bom que poderia ter acontecido foi ela, justamente ela que acabou com tudo!
Amem! Mas o façam, se possível, em silêncio!
Anônimo
sábado, 2 de maio de 2009
Sobre pombos
No convivio com certo tipo de pessoas vejo como quase certo um consequente embolar das tripas e um frio a subir pela espinha. Em momentos específicos esse efeito torna-se inevitável. Não os culpo por me causarem isso, e na verdade algumas vezes os desejo bem perto, pelo menos quando muito longe e irreais estão, para que supram uma falta qualquer de meu espírito ou para que compartilhem de ótimas emoções e sensações pelo que passo de tempos em tempos. Entretanto, a inevitabilidade do revirar de minhas tripas é algo que me incomoda quando acontece, coisa fácil de se supor.
Digo essas coisa dessas pessoas, as quais espero não lerem estas simples linhas, e se lerem não vestirem a carapuça, na verdade de uma posição criticável e criticada, mas mesmo assim não consegui não lembrar de certos versos de Vinicius de Moraes, que certamente são conhecidos amplamente por quem os aqui ler: "Deus sabe que , entre gatos e pombos, eu sou francamente pela primeira espécie. Acho pombos um povo horrivelmente burguês, com seu ar bem-disposto e contente da vida, sem falar na baixeza de certas características de sua condição, qual seja a de, eventualmente, se entredevorarem quando engaiolados."
Devo ressaltar que logicamente elas, companhias minhas, não compartilham dessa característica da condição dos pombos, mas seu ar bem-disposto com a vida é de verdadeiro incômodo para mim, animal severamente preguiçoso e sem perspectivas de nada.
Clichês perfeitos para o momento
Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.
terça-feira, 7 de abril de 2009
o melhor investimento em educação possível numa cidade como o rio é a perfeita pavimentação dessas ruas malditamente esburacadas e o treinamento dos motoristas de ônibus, que hoje parecem confundir os passageiros com sacos de batatas que se joga na caçamba de um caminhão qualquer. quando essa parte essencial do funcionamento da cidade for resolvido, tenho certeza de que pelo menos os universitários poderão terminar de ler suas xerox até o final do período, coisa que é impossível se estes não reservarem o tempo de viagem casa-universidade para os estudos ainda incompletos.
por isso votei no eduardo paes, porque é visível ele tem esse tipo de visão audaciosa e inteligente.
por isso votei no eduardo paes, porque é visível ele tem esse tipo de visão audaciosa e inteligente.
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sexta-feira, 3 de abril de 2009
Insônia
o galo do vizinho e o trem a uns dois quilometros pareciam manter uma conversa desvairada e intensa. o cantar do primeiro era intercalado pela buzina do segundo, e no fundo percebia-se que aquilo era somente uma grande sacanagem com quem dormia um sono superficial nas cercanias. os cachorros pareciam entrar na brincadeira, e quando o papo entre o galo e a maquina escrota e barulhenta parecia dar tregua, os cãe da vizinhança retomavam esta guerra de sons de intensidades e qualidades irritantes a cada minuto que se passava na madrugada.
o céu nao colaborava muito com os que lutavam contra a insônia, guardando em si uma lua minguada com estrelas apagadas entre nuvens extremamente baixas e rápidas. era uma madrugada monótona que só tinha a irritar quem quisesse tirar algum entretenimento dali.
essa cidade sempre foi assim: todos os dias parecendo terças-feiras e a maior parte do dia parecendo manhãs de sábado. no conjunto:terça-feira; retalhado: manhãs de sabado. não importava o ano, estação ou época do ano, os dias não conseguiam se diferenciar de outro, coisa que trazia grande marasmo pra quem ali conseguia sobreviver.
já sobre as noites não se poderia falar o mesmo. as noites eram como são em qualquer parte: muito profundas e inperscrutaveis. entretanto esta em especial não trazia nenhum atrativo ou curiosidade para amenizar as mentes exasperadas acordadas por forças que eles mesmos, os donos delas(que em muitasd ocasiões poderiam ser chamados de escravos delas), não podiam explicar da onde vinham.
os motivos, com certeza, eram variados, bem sortidos num saco grande de desilusões e segredos escondidos dos próprios confidentes. mas como dito, nada consciente e nada aparente, só o desconforto.
alguns teriam dito que o suicídio era uma opção àquela circunstância, não pelo desespero ou pela angústia, mas justamente pelo contrário, pelo vazio imenso de uma mente que escondia muito bem todos suas sujeiras para debaixo do tapete. uma bala de calibre qualquer, tanto faz, encontraria somente a resistência de duas paredes: a da entrada e a da saída.
outros afirmariam que nada se passava de errado se algum familiar o surpreendesse em sua vigília, e em segredo(mais um) forçaria que seu sono aparecesse o mais rápido possivel, e até ameaçaria o coitado de porrada caso nao cumprisse com sua ordem de vir ligeiro.
outros ainda prometeriam a si mesmos que no dia seguinte - caso ele existisse(coisa que se põe em duvida devido a quase inexistência de uma noite de sono que pudesse separar dois dias)- seus demônios que os acompanhavam noite após noite, fossem eles quem fossem, seriam encarados de uma forma ou de outra, ou os ameaçando de porrada (como a turma anterior ameaçaria seu sono) ou de forma heróica, mas humilhante, assumiriam seus defeitos e falhas e encarariam triunfantemente sua pena.
mas nada disso, na verdade acontecerá. sejamos sinceros. nesse lugar, no meio do país da indiferença, em que nada mudou desde onde a memória alcança, no lugar onde os mais velhos guardam ainda no peito remorsos e arrependimentos acontecidos na sua adolescencia, nada, nunca nada ia ser diferente. pelo menos diria isso a mente mais racional. e menos indicada para o serviço.
o céu nao colaborava muito com os que lutavam contra a insônia, guardando em si uma lua minguada com estrelas apagadas entre nuvens extremamente baixas e rápidas. era uma madrugada monótona que só tinha a irritar quem quisesse tirar algum entretenimento dali.
essa cidade sempre foi assim: todos os dias parecendo terças-feiras e a maior parte do dia parecendo manhãs de sábado. no conjunto:terça-feira; retalhado: manhãs de sabado. não importava o ano, estação ou época do ano, os dias não conseguiam se diferenciar de outro, coisa que trazia grande marasmo pra quem ali conseguia sobreviver.
já sobre as noites não se poderia falar o mesmo. as noites eram como são em qualquer parte: muito profundas e inperscrutaveis. entretanto esta em especial não trazia nenhum atrativo ou curiosidade para amenizar as mentes exasperadas acordadas por forças que eles mesmos, os donos delas(que em muitasd ocasiões poderiam ser chamados de escravos delas), não podiam explicar da onde vinham.
os motivos, com certeza, eram variados, bem sortidos num saco grande de desilusões e segredos escondidos dos próprios confidentes. mas como dito, nada consciente e nada aparente, só o desconforto.
alguns teriam dito que o suicídio era uma opção àquela circunstância, não pelo desespero ou pela angústia, mas justamente pelo contrário, pelo vazio imenso de uma mente que escondia muito bem todos suas sujeiras para debaixo do tapete. uma bala de calibre qualquer, tanto faz, encontraria somente a resistência de duas paredes: a da entrada e a da saída.
outros afirmariam que nada se passava de errado se algum familiar o surpreendesse em sua vigília, e em segredo(mais um) forçaria que seu sono aparecesse o mais rápido possivel, e até ameaçaria o coitado de porrada caso nao cumprisse com sua ordem de vir ligeiro.
outros ainda prometeriam a si mesmos que no dia seguinte - caso ele existisse(coisa que se põe em duvida devido a quase inexistência de uma noite de sono que pudesse separar dois dias)- seus demônios que os acompanhavam noite após noite, fossem eles quem fossem, seriam encarados de uma forma ou de outra, ou os ameaçando de porrada (como a turma anterior ameaçaria seu sono) ou de forma heróica, mas humilhante, assumiriam seus defeitos e falhas e encarariam triunfantemente sua pena.
mas nada disso, na verdade acontecerá. sejamos sinceros. nesse lugar, no meio do país da indiferença, em que nada mudou desde onde a memória alcança, no lugar onde os mais velhos guardam ainda no peito remorsos e arrependimentos acontecidos na sua adolescencia, nada, nunca nada ia ser diferente. pelo menos diria isso a mente mais racional. e menos indicada para o serviço.
segunda-feira, 30 de março de 2009
parece que o mundo tá indirente ao tempo. ele não passa.
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quarta-feira, 25 de março de 2009
o foda de alguns blogs é que neguinho escreve tanta coisa que te desanima de ler. não é preguiça não, é que às vezes é tanta coisa pra falar de tão pouco. aceito esculachos, ok? só não vale envolver mãe.
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Pirocas grandes, personalidades fortes e solidão (parte II)
"Nas noites de inverno, enquanto fervia a sopa no fogão, desejava o calor dos fundos da loja, o zumbido do sol nas amendoeiras empoeiradas, o apito do trem na sonolência da sesta, da mesma forma como desejava em Macondo a sopa de inverno no fogão, os pregões do vendedor de café e as cotovias fugazes da primavera. Aturdido por duas saudades colocadas de frente uma para a outra como dois espelhos, perdeu o seu maravilhoso sentido de irrealidade até que terminou por recomendar a todos que fossem embora de Macondo, que esquecessem tudo o que ele ensinara do mundo e do coração humano, que cagassem para Horácio e que em qualquer lugar em que estivessem se lembrassem de que o passado era mentira, que a memória não tinha caminhos de regresso, que toda primavera antiga era irrecuperável e que o amor mais desatinado e tenaz não passava de uma verdade efêmera."
Pirocas grandes, personalidades fortes e solidão (parte III)
"Em seguida, derivou para episódios dispersos, mas os evocou sem qualificá-los, porque de tanto não poder pensar em outra coisa tinha aprendido a pensar frio, para que lembranças iniludíveis não lhe estragassem nenhum sentimento. De volta à oficina, vendo que o ar começava a secar, decidiu que era um bom momento para tomar banho, mas Amaranta se havia antecipado a ele. De modo que começou o segundo peixinho do dia. Estava engatando o rabo quando o sol saiu com tanta força que a claridade rangeu como uma canoa. O ar lavado pela chuvinha de três dias se encheu de tanajuras. Então caiu em si, percebendo que tinha vontade de urinar e estava adiando até que acabasse de armar o peixinho. Ia para o quintal, às quatro e dez, quando ouviu os instrumentos, longínquos, as batidas do bumbo e a alegria das crianças, e pela primeira vez desde a juventude pisou conscientemente numa armadilha da saudade e reviveu a prodigiosa tarde de ciganos em que o seu pai o levou para conhecer o gelo. Santa Sofía de la Piedad abandonou o que estava fazendo na cozinha e correu para porta.
- É o circo - gritou.
Em vez de se dirigir ao castanheiro, o Coronel Aureliano Buendía foi também para a porta da rua e se misturou com os curiosos que comtemplavam o desfile. Viu uma mulher vestida de ouro no cangote de um elefante. Viu um dromedário triste. Viu um urso vestido de holandesa que marcava o compasso da música com uma concha e uma caçarola. Viu os palhaços virando cambalhotas no final do desfile e viu outra vez a cara da sua solidão miserável quando tudo acabou de passar e não ficou senão o luminoso espaço da rua e o ar cheio de tanajuras e uns quantos curioso próximos ao precipício da incerteza. Então foi para o castanheiro, pensando no circo, e enquanto urinava tentou continuar pensando no circo, mas já não encontrou a lembrança. Meteu a cabeça entre os ombros, como um frango, e ficou imóvel com a testa apoiada no tronco do castanheiro. A família não soube de nada até o dia seguinte, às onze da manhã, quando Santa Sofía de la Piedad foi jogar o lixo no quintal e lhe chamou a atenção o fato de estarem baixando os urubus."
- É o circo - gritou.
Em vez de se dirigir ao castanheiro, o Coronel Aureliano Buendía foi também para a porta da rua e se misturou com os curiosos que comtemplavam o desfile. Viu uma mulher vestida de ouro no cangote de um elefante. Viu um dromedário triste. Viu um urso vestido de holandesa que marcava o compasso da música com uma concha e uma caçarola. Viu os palhaços virando cambalhotas no final do desfile e viu outra vez a cara da sua solidão miserável quando tudo acabou de passar e não ficou senão o luminoso espaço da rua e o ar cheio de tanajuras e uns quantos curioso próximos ao precipício da incerteza. Então foi para o castanheiro, pensando no circo, e enquanto urinava tentou continuar pensando no circo, mas já não encontrou a lembrança. Meteu a cabeça entre os ombros, como um frango, e ficou imóvel com a testa apoiada no tronco do castanheiro. A família não soube de nada até o dia seguinte, às onze da manhã, quando Santa Sofía de la Piedad foi jogar o lixo no quintal e lhe chamou a atenção o fato de estarem baixando os urubus."
pirocas grandes, personalidades fortes e solidão
"Uma tarde, quando todos dormiam a sesta, não aguentou mais e foi ao seu quarto. Encontrou-o de cuecas, acordado, estendido na rede que pendurara nos ganhos com os cabos de amarrar navio. Impressionou-a tanto a sua enorme nudez sarapintada que teve o ímpeto de retroceder. "Vem cá", disse ele. Rebeca obedeceu. Deteve-se junto da rede, suando gelo, sentindo que se formavam nós nas tripas enquanto José Arcadio lhe acariciava os tornozelos com a polpa dos dedos, e depois a barrigadas pernas e depois as coxas, murmurando: "Ah, maninha; ah, maninha." Ela teve que fazer um esforço sobrenatural para não morrer quando uma potência ciclônica, assombrosamente regulada, levantou-a pela cintura e despojou-a da sua intimidade com três patadas, e esquartejou-a como a um passarinho. Conseguiu dar graças a Deus por ter nascido, antes de perder a consciência no prazer inconcebível daquela dor insuportável, chapinhando no lago fumegante da rede que absorveu como um mata-borrão a explosão de seu sangue"
Gabriel G. Márquez, em "Cem anos de solidão"
Gabriel G. Márquez, em "Cem anos de solidão"
acho que fico por aqui
há uns quatro ou cinco dias que me sinto muito cansado com qualquer coisa que faço. caso aconteça alguma coisa com meu coração e que me encontrem num sono profundo demais numa manhã de terça-feira, deixo um pequeno testamento aqui, para desencargo de consciência:
-os livros que consegui comprar e juntar pra que minha prateleira ficasse mais bonita, quero que doem para alguma biblioteca de algum colégio, mas que seja um que os conserve bem, para deixá-los íntegros, e que a bibliotecária seja uma idiota, para que garotos e garotas que se interessem por algum deles possam roubá-los facilmente, sem nenhum transtorno maior.
-minhas roupas, joguem pela janela.
-meus escritos, queimem.
-meus bregueletes de gaveta, deem para algum maluco. só assim terão alguma utilidade.
-meu CD's, doem para alguma ONG de proteção a coisas antiquadas.
-o boneco de peruano que fica ao lado dos livros e que levanta o peru quando ele é levantado, deem para algum amigo meu viado . ele vai gostar.
lógico que também há coisas que quero que sejam ditas a algumas pessoas, coisa que não pode faltar em um testamento de verdade:
-ao meus pais...sei lá. peçam que me desculpem por morrerem antes deles.
-para meus irmãos, falem que foi muito bom, mas com certeza foi muito pior.
-ao matheus, que por favor arrume um apartamento, pois desconfio seriamente que o raphael não aguentará morar muito tempo com eles mais.
-ao alan, garoto com quem estudei na 2ª série, que ainda hoje o estrangularia com o maior prazer do mundo.
-a meus maiores amigos...bom, acho que nada precisará ser dito, até porque será uma dificil tarefa achá-los.
sinceramente, gostaria muito de continuar escrevendo essa humilde carta de despedida, mas como havia dito anteriormente, desconfio que posso piripaquear a qualquer momento, logo não seria prudente insistir em nada que possa demorar muito tempo. não posso arriscar a morrer com uma coisa tão importante incompleta.
enfim, foi ótimo compartilhar essa merda de mundo aqui com vocês, mas felizmente acho que chegou minha hora. aproveitem! há um mundo de merda todo pela frente!
-os livros que consegui comprar e juntar pra que minha prateleira ficasse mais bonita, quero que doem para alguma biblioteca de algum colégio, mas que seja um que os conserve bem, para deixá-los íntegros, e que a bibliotecária seja uma idiota, para que garotos e garotas que se interessem por algum deles possam roubá-los facilmente, sem nenhum transtorno maior.
-minhas roupas, joguem pela janela.
-meus escritos, queimem.
-meus bregueletes de gaveta, deem para algum maluco. só assim terão alguma utilidade.
-meu CD's, doem para alguma ONG de proteção a coisas antiquadas.
-o boneco de peruano que fica ao lado dos livros e que levanta o peru quando ele é levantado, deem para algum amigo meu viado . ele vai gostar.
lógico que também há coisas que quero que sejam ditas a algumas pessoas, coisa que não pode faltar em um testamento de verdade:
-ao meus pais...sei lá. peçam que me desculpem por morrerem antes deles.
-para meus irmãos, falem que foi muito bom, mas com certeza foi muito pior.
-ao matheus, que por favor arrume um apartamento, pois desconfio seriamente que o raphael não aguentará morar muito tempo com eles mais.
-ao alan, garoto com quem estudei na 2ª série, que ainda hoje o estrangularia com o maior prazer do mundo.
-a meus maiores amigos...bom, acho que nada precisará ser dito, até porque será uma dificil tarefa achá-los.
sinceramente, gostaria muito de continuar escrevendo essa humilde carta de despedida, mas como havia dito anteriormente, desconfio que posso piripaquear a qualquer momento, logo não seria prudente insistir em nada que possa demorar muito tempo. não posso arriscar a morrer com uma coisa tão importante incompleta.
enfim, foi ótimo compartilhar essa merda de mundo aqui com vocês, mas felizmente acho que chegou minha hora. aproveitem! há um mundo de merda todo pela frente!
eu é que não fico duas horas dentro duma sala de aula. me desculpa, mas não tá dando não.
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como diria Millor Fernandes, não exatamente nessa mesma ordem: uma piada que precisa ser explicada não pode ser uma piada muito boa.
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sexta-feira, 20 de março de 2009
Vem
"Vem!
Por favor, não evites,
meu amor, meus convites,
minha dor,
meus apelos!
Vou te envolver nos cabelos!
Vem perder-te em meus braços,
pelo amor de Deus!
Vem que eu te quero fraco!
Vem que eu te quero tolo!
Vem que eu te quero todo meu!"
Chico
Por favor, não evites,
meu amor, meus convites,
minha dor,
meus apelos!
Vou te envolver nos cabelos!
Vem perder-te em meus braços,
pelo amor de Deus!
Vem que eu te quero fraco!
Vem que eu te quero tolo!
Vem que eu te quero todo meu!"
Chico
terça-feira, 17 de março de 2009
Pedi pra sair
o rio de janeiro não me faz tão bem quanto achava que fazia antes. nesse tempo simbolizava (só para lembrar, eu moro em Niterói) um final de caminho, onde finalmente poderia construir algo novo e deixar tudo de ruim qua havia acontecido comigo para trás. dentre outras coisas tinha o objetivo de sair debaixo da asa de minha mãe e peitar a vida num arroubo de periquito contra gavião. sentia que Barra era um lugar que não poderia me conter, sentia que outras coisa com certeza me esperavam do outro lado de alguns meses que precisavam passar o mais rápido possível, num processo cheio de rituais de passagem e de descobertas a cada momento. de fato consegui muito dessas coisas, mas minha vida nunca mudou tanto (sim, tenho 20 anos) quanto nesses quase três anos de aventuras não tão ousadas 'fora' de casa, sendo sustentado hipoteticamente com a intenção de me dedicar a estudos supostamente importantíssimos para meu dito futuro. até aí qualquer pessoa que tenha passado por esse 'processinho' de sair da casa dos pais sentiu ou sente ainda essas revoluções psicológicas, muitas vezes incoscientes, que maltratam por bom tempo noites de insonia num travesseiro encharcado de lágrimas ou sentado numa privada gelada numa tarde de terça-feira olhando pro chão rosa desbotado dum banheiro com decoração dos anos 50. entretanto, o que sinto hoje, no rio de janeiro de todo dia que encontro de varias formas em varios ônibus sacolejantes por muitos cantos da cidade, é um ar tão denso que respirar deixa de ser natural. encontro pessoas tão distante do que poderia ser considerado intimidade que se sentir sozinho se torna algo rotineiro. escondi por muito tempo esse estranhamento e coloquei uma máscara de carioca sobre esse mal-estar que, agora vejo, sempre esteve presente. fingir-me como mais um dentre eles foi um artificio muito eficaz em uma fase em que tudo de novo passava por mim como algo a ser experimentado e que tinha, pensava eu, a obrigação de dar chance a essas experiencias. não. hoje não dá mais. sou do interior. vim pra cá com intenções boas. com a cabeça e o corpo aberto a qualquer coisa. decidi que as pessoas, naturalmente, são diferentes por aqui, indeferentes até a raiz, mas que levaria pouco tempo para também começar a ser mais um deles. não. não tem como. tenho que me assumir como estou e tentar lidar com essa confusão. uma mistureba sem forma nenhuma. não consigo mais ver com bons olhos a loucura. tenho que ter uma forma. tenho que organizar essa massa desforme que estou hoje. não há como viver na incompreensão. no 'nem-lá-nem-cá'. queria a justiça da ilusão de compreender tudo. me arrebanhar não seria uma opção (não seria justo pensar que exista rebanhos. é uma ideia tão feia), nem quero voltar ao que era antes(que ao meu ver nem ver mais posso, muito menos conceber o que estava antes). tenho que me impor, dar ordem, dar forma, dar organização a essa mistureba, por mais reacionario ou conservador que possam me taxar (me perdoem, mas não consigo lidar agora com nenhuma 'carne infinita'). preciso de meus pés no chão.
quarta-feira, 11 de março de 2009
As gotas do chuveiro caiam na sua cabeça de três em três segundos, talvez pela torneira não ter sido fechada direito, mas seria mais provável que fosse mais uma coisa que não funcionasse na cinqüentenária casa no centro da cidade. Os dois filhos não se faziam presentes nela, notadamente pelo vazio sonoro que nela assombrava até as madeiras podres, de acordo com o cotidiano escolar que os mantinham ocupados durante toda a tarde, cinco dias na semana, cinco horas por dia. seu marido já não incomodava o silencio da sala vazia há mais ou menos seis anos, e só se podia ouvir o gotejar calmo e maçante no couro cabeludo da mulher de meia idade que se confundia com a cor pastel desbotada da decoração ridícula do banheiro. era fácil confundir aquele corpo estático com um cadáver recém suicidado e essa imagem trazia a qualquer pessoa que a visse um sentimento de aceitação e compadecimento. Ficava ali, quieta, piscando muito pouco, com o corpo frio mesmo sem sua pele arrepiar, a olhar para o canto que o boxe de plástico rosa fazia com a parede por pastel, escondendo uma sujeira verde-escura de limo antigo. A confusão com o cadáver suicida poderia não ser uma confusão, tirando o motivo da falta de motivo para tal. Ele não existia como também não existia força de espírito para dar-se um tiro nas têmporas ou muito menos fazer-se sangrar pelas veias dos punhos languidos e frios. É preciso muita coragem. Não tinha motivo, não tinha força e tinha seus filhos, uma das únicas razões de não se matar, e uma das fortes razoes para não querer viver. Não por eles, mas por ela mesma, que quando adolescente quis ter uma menina de nome Sofia e criá-la do jeito que fosse, com o dinheiro que tivesse, ao lado de seu namorado que acreditava ter o mesmo sonho que o seu. Naquela hora já poderia ver tudo o que se passara desde a concepção. Ninguém nunca reclamara da falta que a falta de dinheiro causava naquela casa, e não era pouca, mas o sentimento que o ar pesado podia levar até para dentro dos pulmões era a de apatia, de complacência e de submissão a algo que não podia se entender.
Não chorava, não tinha nenhum arrependimento latente, não sentia dor, não sentia nada. Apenas se debatia na sua apatia cor de pastel.
Não chorava, não tinha nenhum arrependimento latente, não sentia dor, não sentia nada. Apenas se debatia na sua apatia cor de pastel.
terça-feira, 10 de março de 2009
Com certeza temos mais coisa em comum que imaginas.
Entre tantas, o medo é a maior.
O meu, covarde.
O seu, inevitável.
Talvez os dois inexplicáveis.
Eu te jogo prum canto como se tu fosses animal maltratado, escorraçado, magrelo e fraco.
Mas sim, temos tantas coisas em comum que tu nem imaginas. E fico te olhando, e fico te pensando, e me vem o amor maior que faz explodir o coração, como sempre sinto, lutando contra essa couraça, essa casca que fomos (fui) colocando por sobre tudo.
Nunca (!) vou conseguir me abrir, me fazer soltar para alguém, me descascar.
Mas aceito ajuda de qualquer um, dois ou três.
Minha esperança me diz que o tempo e o acaso são candidatos sempre para resolver qualquer parada.
È, pode ser.
Entre tantas, o medo é a maior.
O meu, covarde.
O seu, inevitável.
Talvez os dois inexplicáveis.
Eu te jogo prum canto como se tu fosses animal maltratado, escorraçado, magrelo e fraco.
Mas sim, temos tantas coisas em comum que tu nem imaginas. E fico te olhando, e fico te pensando, e me vem o amor maior que faz explodir o coração, como sempre sinto, lutando contra essa couraça, essa casca que fomos (fui) colocando por sobre tudo.
Nunca (!) vou conseguir me abrir, me fazer soltar para alguém, me descascar.
Mas aceito ajuda de qualquer um, dois ou três.
Minha esperança me diz que o tempo e o acaso são candidatos sempre para resolver qualquer parada.
È, pode ser.
terça-feira, 17 de fevereiro de 2009
encontros e desencontros
na noite de ontem consegui acabar de ver o documentário sobre a obra do fotógrafo Henri Cartier-Bresson e na ânsia de tentar imitar alguma coisinha do talento do francês, dei um jeito de arrumar pilhas novas e de tirar a poeira da pobre máquina digital que se escondia em algum lugar da casa. após algumas tentativas de tomar fotos boas, que na verdade foram mais brincadeira com a máquina que uma intenção real de se fazer alguma coisa, precisava de ver o resultado no computador, ou seja, precisava do cabo que passa tudo pra ele. procurei nos armários do meu pai, perto do computador de lá de baixo, nas coisas da minha mãe, e finalmente fui bisbilhotar a cabeceira do meu pai, onde ele guarda poucas coisas, como um canivete que lhe foi presenteado ou um relógio de corda antigo, ganho de herança. ao tirar a última gaveta do móvel, por estar vazia demais, ela veio parar por inteira na minha mão, derrubando as poucas coisas que estava ddentro dela. quando fui reparar o erro (que juro pelo que vocês quiserem que foi sem querer), descobri um pequeno caderno no vão entre a última gaveta e o apoio do móvel. era bastante colorido com uma imagem de algum santo ou orixá na capa, não prestei muita atenção. no primeiro momento não dei importancia ao caderninho, e até achei melhor não ser tão despudorado e mexer numa coisa que poderia guardar coisas bem íntimas, coisas que um filho não gostaria de saber sobre o pai. não resisti. há muito tenho pensado em descboria coisas secretas dos meus pais, e menos essas e mais coisas que eles pudessem me dizer se não fossem eles quem são. quero conhece-los como se não tivessem que ser maus pais. ali estava uma chance.
ao abrir vi que tinha uma dedicatória no começo, e entendi a intenção do presente, tao evidente que era. o presentiador queria incentivar meu pai a escavar coisas que não deveriam ter sido enterradas, e antes, permiti-lo que o quê acontecerá, terá nota, terá a oportunidade de não ser enterrado.
comecei a folhear. percebi que eram só 4 folhas escritas. não me senti impedido de ler. li. eram relatos cotidianos, chegando até no dia da semi-final da copa do mundo de 02, que o Brasil perdera para a França. olhem: tinha a escalaçaão do time brasileiro (já sei de onde vem minha paixão pelo futebol).
o que mais me impressionou foi a falta de cadáveres. a falta de exumações. acho que o objetivo do presente não foi atingido, se realmente eu o tivesse desvendado.
mas pensando mais sobre o caso, será que meu pai tinha alguma coisa para desenterrar? será ainda que nada acontecia no seu cotidiano que o fizesse querer arrancar as veias dos braços quando não aguentasse mais sentir pulsar tanto seu sangue, e seu coração no peito? sem desespero? sem paixão?
sei lá. fiquei com medo do meu futuro. muito.
ao abrir vi que tinha uma dedicatória no começo, e entendi a intenção do presente, tao evidente que era. o presentiador queria incentivar meu pai a escavar coisas que não deveriam ter sido enterradas, e antes, permiti-lo que o quê acontecerá, terá nota, terá a oportunidade de não ser enterrado.
comecei a folhear. percebi que eram só 4 folhas escritas. não me senti impedido de ler. li. eram relatos cotidianos, chegando até no dia da semi-final da copa do mundo de 02, que o Brasil perdera para a França. olhem: tinha a escalaçaão do time brasileiro (já sei de onde vem minha paixão pelo futebol).
o que mais me impressionou foi a falta de cadáveres. a falta de exumações. acho que o objetivo do presente não foi atingido, se realmente eu o tivesse desvendado.
mas pensando mais sobre o caso, será que meu pai tinha alguma coisa para desenterrar? será ainda que nada acontecia no seu cotidiano que o fizesse querer arrancar as veias dos braços quando não aguentasse mais sentir pulsar tanto seu sangue, e seu coração no peito? sem desespero? sem paixão?
sei lá. fiquei com medo do meu futuro. muito.
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009
Insônia
o galo do vizinho e o trem a uns dois quilometros pareciam manter uma conversa desvairada e intensa. o cantar do primeiro era intercalado pela buzina do segundo, e no fundo percebia-se que aquilo era somente uma grande sacanagem com quem dormia um sono superficial nas cercanias. os cachorros pareciam entrar na brincadeira, e quando o papo entre o galo e a maquina escrota e barulhenta parecia dar tregua, os cãe da vizinhança retomavam esta guerra de sons de intensidades e qualidades irritantes a cada minuto que se passava na madrugada.
o céu nao colaborava muito com os que lutavam contra a insônia, guardando em si uma lua minguada com estrelas apagadas entre nuvens extremamente baixas e rápidas. era uma madrugada monótona que só tinha a irritar quem quisesse tirar algum entretenimento dali.
essa cidade sempre foi assim: todos os dias parecendo terças-feiras e a maior parte do dia parecendo manhãs de sábado. no conjunto:terça-feira; retalhado: manhãs de sabado. não importava o ano, estação ou época do ano, os dias não conseguiam se diferenciar de outro, coisa que trazia grande marasmo pra quem ali conseguia sobreviver.
já sobre as noites não se poderia falar o mesmo. as noites eram como são em qualquer parte: muito profundas e inperscrutaveis. entretanto esta em especial não trazia nenhum atrativo ou curiosidade para amenizar as mentes exasperadas acordadas por forças que eles mesmos, os donos delas(que em muitasd ocasiões poderiam ser chamados de escravos delas), não podiam explicar da onde vinham.
os motivos, com certeza, eram variados, bem sortidos num saco grande de desilusões e segredos escondidos dos próprios confidentes. mas como dito, nada consciente e nada aparente, só o desconforto.
alguns teriam dito que o suicídio era uma opção àquela circunstância, não pelo desespero ou pela angústia, mas justamente pelo contrário, pelo vazio imenso de uma mente que escondia muito bem todos suas sujeiras para debaixo do tapete. uma bala de calibre qualquer, tanto faz, encontraria somente a resistência de duas paredes: a da entrada e a da saída.
outros afirmariam que nada se passava de errado se algum familiar o surpreendesse em sua vigília, e em segredo(mais um) forçaria que seu sono aparecesse o mais rápido possivel, e até ameaçaria o coitado de porrada caso nao cumprisse com sua ordem de vir ligeiro.
outros ainda prometeriam a si mesmos que no dia seguinte - caso ele existisse(coisa que se põe em duvida devido a quase inexistência de uma noite de sono que pudesse separar dois dias)- seus demônios que os acompanhavam noite após noite, fossem eles quem fossem, seriam encarados de uma forma ou de outra, ou os ameaçando de porrada (como a turma anterior ameaçaria seu sono) ou de forma heróica, mas humilhante, assumiriam seus defeitos e falhas e encarariam triunfantemente sua pena.
mas nada disso, na verdade acontecerá. sejamos sinceros. nesse lugar, no meio do país da indiferença, em que nada mudou desde onde a memória alcança, no lugar onde os mais velhos guardam ainda no peito remorsos e arrependimentos acontecidos na sua adolescencia, nada, nunca nada ia ser diferente. pelo menos diria isso a mente mais racional. e menos indicado para o serviço.
o céu nao colaborava muito com os que lutavam contra a insônia, guardando em si uma lua minguada com estrelas apagadas entre nuvens extremamente baixas e rápidas. era uma madrugada monótona que só tinha a irritar quem quisesse tirar algum entretenimento dali.
essa cidade sempre foi assim: todos os dias parecendo terças-feiras e a maior parte do dia parecendo manhãs de sábado. no conjunto:terça-feira; retalhado: manhãs de sabado. não importava o ano, estação ou época do ano, os dias não conseguiam se diferenciar de outro, coisa que trazia grande marasmo pra quem ali conseguia sobreviver.
já sobre as noites não se poderia falar o mesmo. as noites eram como são em qualquer parte: muito profundas e inperscrutaveis. entretanto esta em especial não trazia nenhum atrativo ou curiosidade para amenizar as mentes exasperadas acordadas por forças que eles mesmos, os donos delas(que em muitasd ocasiões poderiam ser chamados de escravos delas), não podiam explicar da onde vinham.
os motivos, com certeza, eram variados, bem sortidos num saco grande de desilusões e segredos escondidos dos próprios confidentes. mas como dito, nada consciente e nada aparente, só o desconforto.
alguns teriam dito que o suicídio era uma opção àquela circunstância, não pelo desespero ou pela angústia, mas justamente pelo contrário, pelo vazio imenso de uma mente que escondia muito bem todos suas sujeiras para debaixo do tapete. uma bala de calibre qualquer, tanto faz, encontraria somente a resistência de duas paredes: a da entrada e a da saída.
outros afirmariam que nada se passava de errado se algum familiar o surpreendesse em sua vigília, e em segredo(mais um) forçaria que seu sono aparecesse o mais rápido possivel, e até ameaçaria o coitado de porrada caso nao cumprisse com sua ordem de vir ligeiro.
outros ainda prometeriam a si mesmos que no dia seguinte - caso ele existisse(coisa que se põe em duvida devido a quase inexistência de uma noite de sono que pudesse separar dois dias)- seus demônios que os acompanhavam noite após noite, fossem eles quem fossem, seriam encarados de uma forma ou de outra, ou os ameaçando de porrada (como a turma anterior ameaçaria seu sono) ou de forma heróica, mas humilhante, assumiriam seus defeitos e falhas e encarariam triunfantemente sua pena.
mas nada disso, na verdade acontecerá. sejamos sinceros. nesse lugar, no meio do país da indiferença, em que nada mudou desde onde a memória alcança, no lugar onde os mais velhos guardam ainda no peito remorsos e arrependimentos acontecidos na sua adolescencia, nada, nunca nada ia ser diferente. pelo menos diria isso a mente mais racional. e menos indicado para o serviço.
terça-feira, 10 de fevereiro de 2009
Isso aqui é novo, tá bom minha gente? Considerei fortemente a qualidade do antigo blog e considerando também que persistirei em escrever besteiras, aí está, um novinho em folha, nem tão novinho assim pelas citações antigas de um blog secreto que isso era. Enfim...vou tentar ser menos melodramático e grandiloquente para `produzir` algo perto de literatura!
uebaaa!
uebaaa!
sexta-feira, 23 de janeiro de 2009
os personagens não nascem de um corpo materno, como os seres vivos, mas de uma situação, de uma frase, uma metáfora que contém em embrião uma possibilidade humana fundamental que o autor imagina não ter sido ainda descoberta, ou sobre a qual nada ainda doi dito.
mas não se diz sempre que o autor só pode falar de si mesmo?
olhar o pátio com angústia e não conseguir tomar um decisão; ouvir um ruído obstinado de seu próprio ventre num momento de exaltação amorosa; trair e não poder parar na estrada tão bela das traições; levantar o punho no desfile da Grande Marcha; exibir seu humor diante dos gravadores escondidos pela polícia: eu próprio conheci e vivi todas essas situações; de nenhuma delas, no entanto, saiu a personagem que sou, eu mesmo, no meu curriculum vitae. as personagens de meu romance são minhas próprias possibilidades que não forma realizadas. é o que me faz amá-las todas e temê-las ao mesmo tempo. umas e outras atravessaram a fronteira que apenas me limitei a contornar. o que me atrai á essa fronteira que elas ultrapassam (fronteira para além da qual termina meu eu). do outro lado começa o mistério que meu romance interroga. o romance não é uma confissão do autor, mas uma exploração do que é a vida humana na armadilha em que se transformou o mundo.
Milan Kundera em 'A insustentável leveza do ser'
mas não se diz sempre que o autor só pode falar de si mesmo?
olhar o pátio com angústia e não conseguir tomar um decisão; ouvir um ruído obstinado de seu próprio ventre num momento de exaltação amorosa; trair e não poder parar na estrada tão bela das traições; levantar o punho no desfile da Grande Marcha; exibir seu humor diante dos gravadores escondidos pela polícia: eu próprio conheci e vivi todas essas situações; de nenhuma delas, no entanto, saiu a personagem que sou, eu mesmo, no meu curriculum vitae. as personagens de meu romance são minhas próprias possibilidades que não forma realizadas. é o que me faz amá-las todas e temê-las ao mesmo tempo. umas e outras atravessaram a fronteira que apenas me limitei a contornar. o que me atrai á essa fronteira que elas ultrapassam (fronteira para além da qual termina meu eu). do outro lado começa o mistério que meu romance interroga. o romance não é uma confissão do autor, mas uma exploração do que é a vida humana na armadilha em que se transformou o mundo.
Milan Kundera em 'A insustentável leveza do ser'
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